Eduardo Leite se torna o primeiro governador abertamente gay da história brasileira: para alguns, um avanço nos direitos LGBT do país; para outros, “e daí?”

Explicando a importância para a sociedade brasileira da declaração de ontem do governador gaúcho

Ontem à noite me deparei com a notícia de que Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul, se assumiu como homossexual durante uma entrevista ao vivo com Pedro Bial. Em poucos minutos, minhas redes sociais foram inundadas com manchetes em diversos veículos de mídia celebrando a declaração de Leite, que, da noite pro dia, se tornou a primeira pessoa na história do Brasil a exercer o cargo de governador enquanto abertamente gay. Isso representa, sem dúvidas, um enorme avanço para a conquista dos direitos iguais para todos em um país marcado pelo conservadorismo cultural e onde só recentemente pessoas LGBT têm conseguido ocupar espaços de poder sem precisar esconder sua verdadeira identidade.

No meio de todos os posts sobre a revelação de Leite, eu li vários comentários elogiando o governador pela sua enorme coragem ao se declarar gay para o mundo—uma ação arriscada para Leite, já que o mesmo chegou a ser aliado do presidente Jair Bolsonaro, conhecido pelos seus infames (e incessantes) comentários homofóbicos ao longo dos anos. 

Mas no meio de toda a comemoração, reparei outros tipos de comentários: vários usuários comentando “E daí?”, “E o f*da-se?”, ou “Não me importo, o importante é que ele faça um bom trabalho.” Enquanto esse tipo de comentário pode ser interpretado como uma forma de apoio à causa LGBT, para demonstrar que ser gay não deveria ser algo tão polêmico, eu reparei que a maioria desses comentários vinham de usuários visando ironizar e desmerecer o governador, ao invés de apoiá-lo neste momento tão vulnerável.

Ver este tipo de comentário me fez pensar:  esses “e daís” fariam sentido se vivêssemos em um país livre de preconceito, racismo e homofobia. Mas não é o caso. Vivemos esse exato ideal ao inverso. 

Ser gay assumido no Brasil—por mais cliché que soe—é ato de resistência. É sair pra rua todos os dias sabendo que esse é o país onde mais se mata LGBTs no mundo, e onde o nosso presidente propaga discurso de ódio contra pessoas gays desde que ele entrou na política. Vale relembrar que o presidente Bolsonaro recentemente fez ataques homofóbicos ao próprio governador Leite, dizendo que o mesmo “pode ter enfiado a verba em outro lugar” (para bom ouvidor, meia palavra basta). Este tipo de comentário, especialmente quando feito pelo presidente da república, normaliza a homofobia em seus mais árduos apoiadores, assim colocando a vida de mais pessoas LGBT em risco por todo o Brasil.

O Brasil está atrasado no combate contra a homofobia, em grande parte devido ao passo que a sociedade deu para trás ao eleger um presidente abertamente homofóbico, que já declarou que “prefere que o filho morra do que seja gay.” Pessoas com a coragem que o governador Eduardo Leite demonstrou merecem o total apoio do público e da classe política, onde a homossexualidade ainda é, para a maioria dos membros, um tabu. Em 2019, Jean Wyllys, o único deputado federal abertamente gay, teve que deixar o Brasil após receber ameaças de morte (o mesmo não perdoa Eduardo Leite por ter apoiado Bolsonaro durante sua eleição). 

Gostando de Eduardo Leite ou não, é necessário reconhecer a importância de sua fala ontem a noite. É através de atos como esse que conseguimos trilhar no caminho de um país onde a homossexualidade possa ser desmistificada e vista como algo normal—nem bom, nem ruim. Como disse Eduardo Leite ao Pedro Bial, a homossexualidade deveria ser uma não-questão no Brasil. Mas não é o caso. Até lá, estamos longes desse utópico “e daí” que alguns têm tentando propagar.

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