Eleições EUA 2024: sem pronunciamento da Suprema Corte, elegibilidade de Trump permanece incerta

Sem intervenção da Suprema Corte, Trump seguirá impedido de aparecer nas cédulas de votação em pelo menos dois estados. Imagem: Agence France Presse.

Daqui a dez meses, milhões de americanos irão às urnas para escolher o novo presidente dos Estados Unidos. Mas o destino da eleição poderá ser decidido muito antes, e não pelos eleitores: com o ex-presidente Donald Trump determinado inelegível em dois estados e enfrentando quatro acusações criminais, a intervenção da Suprema Corte—o mais alto tribunal do país—vê-se cada vez mais inevitável na eleição de 2024. 

A Suprema Corte segue a chamada doutrina de questões políticas, segundo a qual ela deveria evitar se envolver em questões políticas, visando respeitar a separação dos poderes. Mas não seria a primeira vez em que a intervenção da Suprema Corte viu-se necessária para resolver uma questão eleitoral: no ano 2000, após meses de incerteza sobre o resultado da eleição presidencial na Flórida, a Suprema Corte determinou que a recontagem dos votos precisava encerrar, assim concedendo a vitória ao então-presidente George W. Bush.

Agora, duas décadas depois, a Suprema Corte está de volta na mira do público americano e no centro das tensões eleitorais. E dependendo de como o tribunal—para o qual Trump nomeou três dos atuais ministros—determinar as questões legais, Trump poderá ou disputar a eleição de 2024 ou ser completamente barrado.

Primeiramente, Trump está enfrentando quatro acusações criminais, duas delas relacionadas à sua tentativa de derrubar os resultados da eleição de 2020 através de falsas afirmações durante meses de que a vitória de Biden teria sido fraudada. As tentativas de Trump culminaram no dia 6 de janeiro de 2021, quando uma multidão de seus apoiadores invadiu o Capitólio americano para tentar impedir a certificação pelo Congresso da vitória de Biden. 

Em junho de 2023, o promotor Jack Smith indiciou Trump com obstrução de um procedimento oficial e conspiração para defraudar os Estados Unidos, devido aos seus atos que culminaram no ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro. 

Embora a Suprema Corte não esteja considerando contestações de Trump, isso pode mudar rapidamente à medida que os tribunais inferiores avaliem os casos, com Trump, os promotores, e outros recorrendo de quaisquer decisões adversas contra eles para a Suprema Corte. O tribunal já aceitou reavaliar o caso de um policial acusado do mesmo crime que Trump relacionado ao ataque ao Capitólio. O policial argumenta que os promotores aplicaram o estatuto de fraude de forma incorreta, já que o mesmo geralmente é utilizado contra pessoas que adulteram documentos e provas em procedimentos oficiais. A corte ouvirá o caso do policial em seu mandato atual e potencialmente anunciará sua decisão em junho, meses após o início programado para 4 de março do julgamento de Trump em Washington por fraude eleitoral. 

De forma mais ampla, Trump está afirmando possuir imunidade absoluta de processos criminais porque quaisquer ações relacionadas às eleições que ele tomou que ocorreram enquanto ele ainda era presidente (no final de 2020, até a posse de Biden no início de 2021). É o período em que os promotores alegam que ele conspirou com seus associados para subverter ilegalmente a vitória de Biden em vários estados-chave, para que ele pudesse anular o resultado nesses estados e permanecer no poder por mais quatro anos. 

Este argumento de Trump é uma das questões que tem chance de ser avaliada pela Suprema Corte. Durante o escândalo de Watergate, assessores do então-presidente Richard Nixon foram indiciados por seus papéis na invasão da sede do partido democrata. Embora o Nixon não tenha sido indiciado, a Suprema Corte afirmou que presidentes podem ser responsabilizados criminalmente por suas ações, mesmo que tenham ocorrido durante a presidência. Trump é o primeiro presidente a enfrentar um processo criminal na história dos Estados Unidos, então esta teoria legal pode ser reavaliada.

Embora as acusações criminais possam manchar a imagem de Trump, uma condenação pela justiça não o desqualificaria da eleição de 2024. Diferente do Brasil, que emprega uma lei de “ficha limpa” para servidores públicos, nos Estados Unidos, candidatos com antecedentes criminais têm o direito de ocupar cargos públicos.

Mas além de seus casos criminais, nas últimas duas semanas, Trump enfrenta mais obstáculos para retornar à Casa Branca: no final de 2023, dois estados—Colorado e Maine—determinaram que o esforço de Trump para subverter a eleição de 2020, incluindo o ataque ao Capitólio, o tornou inelegível. 

Para chegar à esta conclusão, a Suprema Corte do Colorado se baseou no terceiro artigo da décima-quarta emenda da constituição, que proíbe qualquer “oficial” que tenha feito um juramento de apoio à constituição americana para servir num cargo público e depois tenha “se envolvido numa insurreição contra o mesmo,” de ocupar cargos públicos no futuro. A corte do Colorado interpretou o termo “oficial” a incluir o presidente, logo concluindo que o artigo se aplica ao Trump.

A decisão da Suprema Corte do Colorado é a primeira vez na história que o artigo tenha sido usado para proibir alguém de concorrer à presidência. Logo em seguida, baseando-se na decisão de Colorado, a secretária de estado de Maine (a oficial responsável pela administração de eleições) determinou que Trump tampouco é elegível para aparecer nas cédulas da eleição primária daquele estado. 

Os advogados de Trump já anunciaram seus planos de em breve pedir à Suprema Corte que a mesma anule a decisão de ambos estados. A Suprema Corte mantém uma longa tradição de não se envolver em questões políticas, mas como o impedimento da candidatura de Trump envolve a interpretação de uma emenda constitucional, é provável que o tribunal se envolva para dar uma resposta concreta não somente ao Trump mas ao eleitorado americano, que atualmente está em limbo em relação à eleição.

Embora os fatos básicos da conduta de Trump que levaram ao ataque do Capitólio não estejam em disputa, as implicações legais das ações de Trump estão. A Suprema Corte pode confirmar a decisão de Colorado, concluindo que a constituição prevê o presidente como um “oficial” dos Estados Unidos que não pode se recandidatar se participou numa insurreição, ou derrubá-lo por diferentes motivos. 

Empregando a denominada doutrina da evasão constitucional, por exemplo, a Suprema Corte pode muito bem determinar que, já que o Congresso não tomou medidas sobre a conduta de Trump envolvendo o dia 6 de Janeiro, a corte não pode fazer uma determinação ou interpretação constitucional sobre o assunto.

Trump também tem números a seu favor: além de nomear 230 juízes para o judiciário federal ao longo de seu mandato, ele adicionou três juízes à Suprema Corte, dando ao tribunal uma maioria de seis juízes conservadores, contra três liberais. Não querendo atrapalhar as eleições e permitindo que os apoiantes de Trump expressem o seu apoio ao candidato, é muito possível que a Suprema Corte tome uma decisão a seu favor.

Com os apelos já em curso, a Suprema Corte poderá ter de tomar uma decisão rápida a nível nacional sobre a elegibilidade de Trump. A primeira votação da eleição presidencial começa com o estado de Iowa no dia 15 de janeiro, quando os eleitores do estado votarão para os candidatos de cada partido na eleição primária. Nas próximas semanas, haverá eleições primárias em todo o país. 

Se Trump permanecer fora das urnas no Colorado, Maine, ou até em mais estados (mais de 30 estão com iniciativas parecidas com a do Colorado), existe o risco de alimentar a narrativa de Trump em 2020 de que a eleição lhe foi roubada. Diante destes conflitos, uma coisa é certa: o eleitorado americano precisa de um pronunciamento da Suprema Corte para determinar a elegibilidade de Trump para evitar uma eleição ainda mais caótica que a de 2020.

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